05:47

Utilitarismo

O Utilitarismo é um tipo de ética normativa -- com origem nas obras dos filósofos e economistas ingleses do século XVIII e XIX. Jeremy Bentham e John Stuart Mill, -- segundo a qual uma ação é moralmente correta se tende a promover a felicidade e condenável se tende a produzir a infelicidade, considerada não apenas a felicidade do agente da ação mas também a de todos afetados por ela.

O Utilitarismo rejeita o egoísmo, opondo-se a que o indivíduo deva perseguir seus próprios interesses, mesmo às custas dos outros, e se opõe também a qualquer teoria ética que considere ações ou tipos de atos como certos ou errados independentemente das conseqüências que eles possam ter.

O Utilitarismo assim difere radicalmente das teorias éticas que fazem o caráter de bom ou mal de uma ação depender do motivo do agente porque, de acordo com o Utilitarismo, é possível que uma coisa boa venha a resultar de uma motivação ruim no indivíduo.

Antes, porém, desses dois autores darem forma ao Utilitarismo, o pensamento utilitarista já existia, inclusive na filosofia antiga, principalmente no de Epicuro e seus seguidores na Grécia antiga. E na Inglaterra, alguns historiadores indicam o Bispo Richard Cumberland, um filósofo moralista do século XVII, como o primeiro a apresentar uma filosofia utilitarista. Uma geração depois, Francis Hutcheson, com sua teoria do "sentido interior da moralidade" ("moral sense") manteve uma posição utilitarista mais clara. Ele cunhou a frase utilitarista de que "a melhor ação é a que busca a maior felicidade para o maior número de indivíduos". Também propôs uma forma de "aritmética moral" para cálculo da melhor conseqüência possível. David Hume tentou analisar a origem das virtudes em termos de sua contribuição útil.

O próprio Bentham disse haver descoberto o "princípio de utilidade" nos escritos de vários pensadores do século XVIII como Joseph Priestley, um clérigo dissidente famoso por haver descoberto o oxigênio, e Claude-Adrien Helvétius, autor de uma filosofia de meras sensações, de Cesare Beccaria, jurista italiano, e de David Hume. Helvétius foi posterior a Hume e deve ter conhecido seu pensamento, e Beccária o de Helvécios..

Outro apoio ao Utilitarismo é o de natureza teológica, devido a John Gay, um filósofo estudioso da bíblia que argumentava que a vontade de Deus era o único critério de virtude, mas que, devido à bondade divina, ele concluía que Deus desejava que o homem promovesse a felicidade humana.

Bentham, que aparentemente acreditava que o indivíduo, no governos de seus atos iria sempre buscar maximizar seu próprio prazer e minimizar seu sofrimento, colocou no prazer e na dor ambos a causa das ações humanas e as bases de um critério normativo da ação.

À arte de alguém governar suas próprias ações, Bentham chamou "ética particular". Neste caso a felicidade do agente é o fator determinante; a felicidade dos outros governa somente até o ponto em que o agente é motivado por simpatia, benevolência, ou interesse na boa vontade e opinião favorável dos outros.

Para Bentham, a regra de se buscar a maior felicidade possível para o maior número possível de pessoas devia ter papel primordial na arte de legislar, na qual o legislador buscaria maximizar a felicidade da comunidade inteira criando uma identidade de interesses entre cada indivíduo e seus companheiros. Aplicando penas por atos mal-intencionados, o legislador faria prejudicial para um homem causar dano ao seu vizinho. O trabalho filosófico mais importante de Bentham, An Introduction to the Principles of Morals and Legislation ("Uma introdução aos princípios de moral e legislação"), de 1789, foi pensado como uma introdução a um projeto de Código Penal.

Jeremy Bentham atraiu jovens intelectuais como discípulos, entre eles o economista David Ricardo, James Mill e o jurista John Austin. Mais tarde John Stuart Mill, filho de James Mill, defendia o voto feminino, a educação paga pelo Estado para todos, e outras propostas radicais para sua época, com base na visão utilitarista de que tais medidas eram essenciais à felicidade e bem estar de todos, assim como também a liberdade de expressão e a não interferência do governo quando o comportamento individual não afetasse as outras pessoas. Seu ensaio "Utilitarianism," publicado no Fraser's Magazine (1861), é citada como uma elegante defesa da doutrina Utilitarista e considerada ser ainda a melhor introdução ao assunto, apresentando o Utilitarismo como uma ética tanto para o comportamento do indivíduo comum quanto para a legislação social.

R.Q.Cobra
Doutor em Geologia
e bacharel em Filosofia.
2001

05:42

Nominalismo

TEMAS DA FILOSOFIA: resumos

Nominalismo. Uma das correntes de filosofia na disputa a respeito da realidade dos "universais" ou existência real de coisas com todos os atributos da perfeição do seu gênero, e de cuja perfeição participam em maior ou menor grau, as coisas particulares do mesmo gênero. Um exemplo mais comumente usado é o da palavra "beleza" para a qual os platônicos reivindicam uma existência própria, como um ser que é a beleza mais completa e perfeita, e neste ser que é a beleza pura, têm maior ou menor participação totas as coisas que são belas. Esses universais são também nomes genéricos aplicáveis à coisa em comum que define um conjunto de coisas particulares. Uma mesa com todos os atributos possíveis da mesa existiria, no dizer de Platão, em um mundo diverso do mundo em que vivemos no qual as coisas são imperfeitas, e no qual uma mesa difere de outra e pode ser melhor ou pior que outra, ambas apenas participando da ideia de mesa, a mesa ideal que ele supunha poder existir no mundo da perfeição. O Nominalismo nega realidade aos universais com fundamento em que o uso de uma designação geral não implica a existência de uma coisa geral por ela nomeada. Admite, no entanto, que deve haver alguma semelhança entre as coisas particulares às quais a denominação geral se aplica. Para os nominalistas, "beleza" não tem existência própria e é apenas um termo geral para designar esse atributo reconhecível em alguns objetos que, por o possuirem, são ditos objetos belos.

R.Q.Cobra
Doutor em Geologia
e bacharel em Filosofia.
2001

05:41

Mercantilismo

TEMAS DA FILOSOFIA: resumos

Mercantilismo, teoria econômica que acompanhou o absolutismo na Europa nos séculos XVI e XVII e XVIII. Assim como o absolutismo dava ao monarca poder absoluto por força do Direito Divino (O Rei tinha autoridade promanada de Deus), pela mesma razão cabia-lhe conduzir, com seus ministros, a economia nacional. Foi o economista inglês Adam Smith, no seu Wealth of Nations ("A Riqueza das Nações"), de 1776, que denunciou o procedimento e lhe deu o nome Mercantilismo, que ele passou a combater.

Na teoria mercantilista, a base de sustentação da economia eram os estoques de ouro e prata, o comércio e a indústria. A nação que não tivesse minas, deveria obter aqueles metais preciosos através do comércio. O país devia buscar exportar mais que importar. As colônias deveriam ser mantidas como consumidoras dos produtos da metrópole e ao mesmo tempo fornecedoras de matéria prima para a metrópole. A manufatura era proibida nas colônias, onde todo o comércio era monopólio da metrópole. Para ser forte uma nação deveria ter uma grande população, que constituiria seu mercado interno, além de criar abundância de mão de obra e forças de defesa. A austeridade era fundamental, a fim de que houvesse pouca necessidade de importação, principalmente de artigos de luxo. O povo e o governo deviam poupar e ser parcimoniosos nos gastos.

Os inimigos do mercantilismo argumentavam que não havia diferença entre o comércio interno e o comércio externo, pois todo comércio beneficiava tanto o mercador quanto o consumidor, e condenavam a poupança por retirar recursos do mercado. Negavam que uma nação pudesse crescer economicamente apenas suplantando outras nações através do comércio, porque o comércio somente se manteria em duas vias, de entrada e saída.

R.Q.Cobra
Doutor em Geologia
e bacharel em Filosofia.
2001

05:39

Fisiocracia

Fisiocracia. A escola fisiocrática surgiu no século XVIII e é considerada a primeira escola de economia científica. Surgiu como uma reação iluminista ao mercantilismo, um subproduto do absolutismo que dava ênfase à indústria e ao comércio voltados para a exportação. Ao contrário, os fisiocratas consideravam a agricultura como fonte original de toda riqueza, porque somente ela permitia larga margem de lucros sobre um investimento pequeno. A terra era a única verdadeira fonte das riquezas. As outras formas de produção estavam meramente transformando produtos da terra, com menor margem de lucro. Os produtos da agricultura deveriam ser valorizados e vendidos a alto preço e os proprietários de terras reconhecidos com os verdadeiros promotores da riqueza do país e respeitados como tal.
A palavra "fisiocracia" indica a idéia fundamental de governo da natureza e liberdade de ação (de onde a famosa frase laissez faire, laissez passer) em oposição às complexas regulamentações governamentais que regiam o mercantilismo. O promotor dessa revolução contra o mercantilismo foi François Quesnay, médico da corte de Luís XV. Sua teoria apareceu em seu livro Tableau Economique ("Quadro Econômico"), de 1758, que mostrava esquematicamente as relações entre as diferentes classes econômicas e setores da sociedade, e o "fluxo de pagamentos" entre elas. Com o Tableau, Quesnay criou o conceito de equilíbrio econômico, uma concepção tomada como ponto de partida nas análises econômicas desde então. A poupança era potencialmente prejudicial porque, não aplicadas, podia perturbar o equilíbrio do fluxo de pagamentos.
Segundo Quesnay, existe uma ordem natural e essencial das sociedades humanas, que é inútil contrariar com leis, regulamentos ou sistemas. Seu primeiro discípulo importante foi Victor Riqueti, Marquês de Mirabeau, que escreveu Explication du "Tableau économique" ("Explicação do 'Quadro Econômico' ") de 1759, Théorie de l'impôt ("Teoria do Imposto"), de 1760; e Philosophie rurale ("Filosofia rural"), de 1763, todos girando em torno ao pensamento do mestre. Em 1763 outro jovem discípulo juntou-se à corrente, Pierre Samuel du Pont de Nemours, que em 1767 publicou uma coleção dos escritos de Quesnay sob o título La Physiocratie; ou, constitution naturelle du gouvernement le plus avantageux au genre humain ("A Fisiocracia ou, a constituição natural do governo a mais vantajosa para o gênero humano") do qual a escola tirou o seu nome.
Fazendo pivotar a economia na produção agrícola, haveria um imposto único que os proprietários de terra pagariam, livrando o povo da grande quantidade de impostos a que estava obrigado. Porém uma experiência de conduzir a economia segundo a doutrina fisiocrática, feita por Anne-Robert-Jacques Turgot, ministros das finanças em 1774 resultou em fracasso devido aos protestos dos proprietários de terras. Com a exoneração do ministro desapareceu a influência dos fisiocratas.
R.Q.Cobra
Doutor em Geologia
e bacharel em Filosofia.

00/00/2001

05:37

Boas Maneiras e Filosofia

 O porquê de as pessoas se sentirem inclinadas a comportamentos que podem enobrecê-las, e a praticar o respeito ao outro, e porque a sociedade louva os que seguem essa inclinação tornou-se uma questão para alguns filósofos. Esse comportamento diz respeito à Ética, considerada classicamente uma das divisões da Filosofia.

Ética. Encontramos em Aristóteles que o homem é um ser racional e o uso de sua racionalidade lhe faz entender que ele transcende a pura animalidade e que o seu comportamento deve espelhar essa transcendência. A atuação própria do ser humano, e portanto a sua excelência moral, reside na “vida ativa do seu elemento racional” diz ele (Liv. I; Cap. 7 da Ética a Nicômaco). Uma preocupação moral importante é a de encontrar o razoável, o que é racional, entre a falta e o excesso em todas as ações.

Obedecer a esse ditame corresponde, em linhas gerais, a praticar as virtudes nomeadas por Platão, de temperança, fortaleza, sabedoria e justiça. Mas o próprio Aristóteles lamenta que falte à humanidade o cumprimento desse dever e diz em sua Ética “A humanidade em massa se assemelha totalmente aos escravos, preferindo uma vida comparável à dos animais”.

Moral. Subordinada à Ética, a Moral é um conjunto de regras de conduta nas relações sociais que uma sociedade define para si e que mudam conforme a cultura, as crenças, as condições de vida e as necessidades da sociedade, mas que são, em qualquer contexto, dignas da condição transcendental do homem como ser racional e definidas por amor a essa condição.

Os tomistas (seguidores de São Tomás de Aquino e de Aristóteles) mantêm que a razão pode orientar o indivíduo a escolher racionalmente o melhor comportamento para uma dada circunstância e a praticá-lo, e que é dever ético seguir a razão em busca da perfeição.

Porém, na Época Moderna, os filósofos empiristas utilitaristas contestaram a Ética racional, argumentando que era evidente que sua base era a emoção e os sentimentos.

Francis Hutcheson (1694-1746) sustenta que existe um sentido moral e que uma ação pode ser agradável ou desagradável a esse sentido e que o juízo moral, portanto, não pode estar baseado na razão mas depende da sensibilidade moral do sujeito. Isto levou-o a afirmar que a melhor ação é aquela que resulta em maior felicidade para o maior número possível de pessoas, aforismo que se tornou o moto básico da corrente utilitarista.

David Hume (1711-1776), foi talvez o único filósofo moderno a ocupar-se especificamente de Boas-maneiras. Assim como Hutcheson, sustentava que a razão não pode ser a base da moralidade. Ele mantém, como seus predecessores, Boas-maneiras como parte da Moral, porém de uma “moral menor”. Segundo sua concepção, que é também utilitarista, Boas-maneiras, e inclusive as regras de Etiqueta, foram criadas para reduzir o conflito entre pessoas e tornar a vida mais fácil.

Em minha opinião, Boas-maneiras constitui uma área do conhecimento, e forma, consequentemente, uma disciplina. Seu objeto compreende os comportamentos da pessoa que é levada, por uma decisão que satisfaz sua auto-estima, a reconhecer e estimular a auto-estima de outra, e a proposição de normas de consenso social para esse reconhecimento e estimulação. Ao seguir as normas de Boas-maneiras o sujeito não é movido por um dever moral, ou por interesses, mas pelo prazer em demonstrar conhecê-las e praticá-las, ou por sentir-se intimamente compelido a fazê-lo como complementação de seu comportamento moral.

Boas-maneiras e a Moral realmente lidam com sentimentos, mas estes remontam ao pensamento transcendente da Ética racional porque, como demonstrei em meu livro Filosofia do Espírito (1989) o raciocínio gera sentimentos e quando os gera bons – consideradores e altruístas –, afasta os maus – egoístas e utilitários. Portanto, não é porque tem seu fundamento em sentimentos que Boas-maneiras haverá de perder sua origem no pensamento ético-racional.

Uma vez que pertencem à Ética, ambas, tanto a Moral quanto Boas-maneiras, têm em comum dizer o que é certo ou errado no comportamento das pessoas. Mas os seus campos são diferentes, porque o certo e o errado em relação a sentimentos não é a mesma coisa que o certo e o errado quanto à propriedade e à justiça no campo moral. Chamá-la de Moral Menor, com faz Hume, ainda não me parece satisfatório, porque não chega a lhe dar a autonomia que evidentemente tem em relação à Moral, sem deixar de pertencer à Ética.

Enquanto a Moral tem o seu código de Leis a serem obedecidas, Boas-maneiras tem apenas normas que a Ética aprova mas a elas não obriga. O homem que obedece as leis morais é uma “pessoa virtuosa” e o que obedece às normas de Boas-maneiras é uma “pessoa educada”.

Considero que também está na mesma condição de autonomia frente à Moral a disciplina do Cerimonial Particular, que trata da boa condução da cerimônias, com os mesmos objetivos que tem Boas-maneiras. Para caracterizar essa autonomia e permitir lidar com mais liberdade com as duas disciplinas – Boas-Maneiras e Cerimonial –, encontro no termo Civilidade uma designação que me parece adequada para contê-las, sob a Ética, e independentes da Moral.

As boas-maneiras são um jogo de simpatia; equivalem a presentear o outro. Consequentemente, qualquer fundamento que não seja o aumento da auto-estima de um por respeitar a auto-estima do outro dá ao comportamento um caráter utilitário, que nada tem a ver com Boas-maneiras.não ético. Por exemplo: usar a Psicologia para bem conviver com alguém; praticar a caridade por um imperativo religioso também não se enquadram em Boas-maneiras, nem dividir as tarefas da casa para sua boa administração. Não passaria pela cabeça de ninguém chamar de Boas-maneiras o Cerimonial Público Oficial, que é utilitário, insípido, e cujas normas coincidentes com Boas-maneiras são obedecidas obrigatoriamente e instituídas por Decreto. Mas este se inscreve em Civilidade.

São, em geral, tidos por sinônimos de Boa-maneiras : polidez, boa-educação, bom-tom. São de uso mais popular as expressões “modos” e “bons-modos”, como em “faltam-lhe modos!”. São hipônimos Graciosidade; Cavalheirismo; Galanteio; urbanidade. Entendo que Civilidade, deva ser um hiperônimo de Boas-Maneiras e também de Cerimonial. Por sua vez, Civilidade e Moral estão sob a Ética. Boas-maneiras tem por auxiliar a Etiqueta, disciplina da área das Artes, que indica técnicas e condições para a eficácia no reconhecimento social.

Pedagogia. Ter boas-maneiras, ou observar as normas de Boas-maneiras, não é privilégio de ricos. Ainda que seja pobre ou de pouca instrução regular, uma pessoa pode andar ou sentar-se com dignidade, cobrir o corpo com decência, manter-se limpa e penteada, comer e beber com gestos educados; pode cultivar hábitos discretos no rir, no saudar e no conversar, ser pontual, agradecer favores ou prestá-los em toda oportunidade, e procurar enfim, todos os meios de mostrar pelo o outro o mesmo respeito que deve desenvolver em relação a si própria.

A idade também não conta e bem cedo, ainda no ensino pré-primário, o indivíduo deve receber as primeiras lições de bom comportamento e esta precocidade é fundamental para que adquira hábitos de agir assim para toda sua vida.

Seria a meu ver ideal que o acesso ao conhecimento de Boas-maneiras se desse na Escola, através de uma atividade de Formação Comportamental compreendendo palestras, Teatro Pedagógico, visitas educativas, redação de textos, ou que outros recursos possa utilizar o Orientador Educacional para o seu ensino.

Um instrumento educativo importante pode ser o Baile-de-debutantes, cujo projeto inclui várias atividades práticas das quais as jovens adolescentes tiram lições para sua vida adulta. Também o Teatro Pedagógico, ou  Teatro Educativo, é um instrumento tradicional da pedagogia.

Restam ainda as leituras, a observação atenta dos eventos e do comportamento dos demais quando se está em boa companhia, e a prática progressiva no próprio lar.

Por isso Boas-maneiras e Etiqueta estão perfeitamente ao alcance de qualquer um que se esforce por desenvolvê-las. Infelizmente, porém, a maioria prefere viver de modo irrefletido, “natural”, “igual”, e faz grande troça de qualquer norma refinada de conduta.

Rubem Queiroz Cobra
Doutor em Geologia e bacharel em Filosofia

05:36

Feminismo

 Creio poder definir feminismo, em filosofia, como o estudo do status da mulher na sociedade quanto a seus direitos e deveres, e do papel social que lhe é adequado. Como Ser que é, a mulher, como todos os seres, tem os seus predicados. O seu papel social será adequado se corresponder logicamente – por necessidade lógica – a esses predicados.
Até o início do século XX, cabia inquestionavelmente à mulher ocupações relacionadas, direta ou indiretamente, à maternidade, ou seja, amamentar os recém-nascidos e alimentar e educar as crianças, o que implicava no estafante trabalho de cuidar da casa. Ao homem, cabia prover a alimentação da família com seu trabalho, e ir todo o ano à guerra na qual perdia a vida (havia centenas de ducados, principados, etnias, etc. continuamente em conflito entre si), ou da qual retornava mutilado.

A política – constantemente girando em torno de disputas locais, desavenças regionais e guerras internacionais; a ciência errática e assistemática até o século XIX; e a religião do Estado e vinculada às guerras (As cruzadas, a Guerra dos 30 anos, a defesa dos estados pontifícios em que vários Papas disputaram batalhas pessoalmente, e outras), eram  assuntos estranhos à mulher. No entanto, além dos vultos femininos marcantes da história antiga e medieval, na história moderna e contemporânea várias mulheres foram governantes, como Isabel I da Inglaterra e Cristina da Suécia, ou foram inspiradoras, como Clotilde De Vaux e Bertha Pappenheim, ou exemplos de espiritualidade esclarecida, como Madame Acarie e Chiara Lubich, ou figuras de expressão na filosofia, como Simone de Beauvoir e Madame de Staël, ou nas artes, como Johanne Luise Heiberg, citando apenas entre aquelas figuras cujas biografias já estão vinculadas às páginas de filosofia deste Site.

Essa posição do homem e da mulher foi sempre aceita como resultado de um consenso natural, da mesma natureza do consenso que, no entender dos filósofos, conduziu ao primitivo contrato social para criar um governo que garantisse justiça, e proteção contra o inimigo. O consenso social em relação ao status da mulher estabelecia sua responsabilidade social segundo as responsabilidades imanentes a seus predicados de maternidade e sentimento inato de amor e proteção dos filhos.

Se a honra ou nobreza do homem estavam ligadas à defesa da pátria, a honra da mulher estava em manter e defender os valores sociais na educação dos filhos, e em sua atividade doméstica exemplar.

No último terço do século XIX e no século XX, o grande progresso tecnológico veio alterar um status milenar. Os equipamentos e facilidades modernas (saneamento, distribuição domiciliar de água e encanação do gás, congelamento de alimentos, etc.) eliminaram grande número de tarefas domésticas. Também reduziram o esforço e o tempo necessário para execução de muitas outras, e – o que foi o mais importante –, permitiram um nivelamento do requisito de aptidões: colocaram tarefas até então exclusivamente masculinas factíveis por mulheres em grande número de setores, inclusive militar (portar uma metralhadora que pesa 2 quilos e meio não exige o mesmo esforço que combater metido em uma armadura de ferro de 70 quilos). Ao mesmo tempo, a expansão econômica que acompanhou a modernização tecnológica contribuiu para trazer a mulher a novas atividades, por necessidade de mão de obra.

Em pouco tempo eram legiões de moças solteiras empregadas em escritórios e fábricas, bibliotecas e serviços públicos. As mulheres casadas juntaram-se às trabalhadoras quando os orfanatos passaram a prestar cuidados diaristas a crianças e bebês, surgindo dessa adaptação instituições novas: as “creches” e os “jardins da infância”. Os pais podiam sustentar a estrutura tradicional do lar tendo os filhos à noite e nos fins de semana em sua companhia.

Mas a quebra daquela delimitação das funções, que era precisa e de longo tempo aceita, não foi vista por todos como devida naturalmente à modernização do trabalho tanto doméstico como assalariado. Muitos viram na pretensão feminista uma descaracterização do Ser feminino, uma masculinização, como se a mulher pretendesse exibir predicados masculinos, repudiando os femininos. Por essa razão foram necessárias árduas campanhas em favor de uma nova mentalidade – para que a mulher pudesse ter o novo status que aspirava – e ainda se batalha para que receba o salário justo pelo seu trabalho.

Direito de voto. Com sua maior participação no panorama econômico, era justo e mesmo necessário que a mulher participasse também das decisões políticas tomadas no controle da economia e do bem estar social. Surgiu o movimento sufragista feminino (pelo direito do voto).

Sendo de fundo econômico, era natural que o movimento sufragista tivesse origem simultânea nos dois paises economicamente mais desenvolvidos: Inglaterra e Estados Unidos. Na França, apesar da significativa participação das mulheres na Revolução Francesa – episódio que foi um marco histórico para os Direitos Humanos – foram isoladas as vozes femininas reivindicadoras do direito ao voto. Na época, o problema que preocupava eram os maus tratos que os homens embrutecidos davam às suas mulheres e filhos. As feministas, e inclusive os intelectuais que se condoíam com a situação, escreviam contra a estupidez masculina, e prescreviam como remédio melhor educação para homens e mulheres.

A importância da revisão do status feminino não escapou ao filósofo John Stuart Mill (1806-1873), que publicou, em co-autoria com sua esposa Harriet Taylor Mill (1807-1856) o livro Submition of the woman, em 1869. Eles não enfocaram a educação, mas o direito de voto.

Grandemente traduzido e divulgado em diversos países, o livro dos Mill, pela sua oportunidade e pelo seu novo enfoque, causou grande impacto: era necessário revogar as leis originárias do poder absoluto dos reis e do domínio das consciências pela Religião oficial do Estado, e vencer a inércia das próprias mulheres pois, na opinião do filósofo, sem a contribuição feminina o progresso do país ficaria comprometido. Em 1867 nasceu a primeira associação feminista em prol do direito de voto, a National Society for Woman’s Suffrage, liderada por Lydia Becker. Em 1919, com o apoio do presidente democrata Wodrow Wilson, foi aprovada nos Estados Unidos a XIX Emenda Constitucional que concedia o direito de voto às mulheres.

Na Inglaterra, no entanto, as próprias mulheres se organizaram contra o voto feminino, reconhecendo o perigo que era para a família tradicional a alteração do status feminino na sociedade. Uma forte reação foi desencadeada pela Women's National Anti-Suffrage League (Liga Nacional ante-sufragista) contra o voto feminino, liderada por uma escritora muito lida, Mary Ward. Porém a premência econômica, sobretudo pelo esforço demandado dos britânicos na sustentação da primeira guerra mundial (1914-1918) e a demanda de mão de obra na recuperação econômica do pós-guerra, terminariam por derrubar quaisquer barreiras à mudança do status feminino. Dez anos depois, em 1928, o direito de voto foi concedido às mulheres britânicas.
Países não desenvolvidos. A situação econômica onde o desenvolvimento exigiu a incorporação da mulher ao trabalho e à política não acontecia nos países não desenvolvidos como o Brasil. Com uma economia de caráter colonial, o catolicismo como religião oficial do Estado, prevalecia sólido o status tradicional já referido – que remontava aos gregos – do homem ocupado com as guerras e revoluções, o sustento do lar e a discussão política nas praças e nos cafés, e da mulher encarregada da educação dos filhos e dos cuidados domésticos. Essa sociedade decadente alimentava o ócio, a boemia, a imoralidade, e a crueldade masculina sobre a mulher e os filhos. Mudanças só aconteceriam a muitas penas.

É nesse quadro de atraso que se realiza, em São Paulo, em 1922, a Semana de Arte Moderna, com o objetivo de sacudir a opinião pública e incentivar o progresso no campo cultural em favor de uma mudança de hábitos e de valores sociais. A Semana serviu para maior projeção de figuras femininas admiráveis na época, e que contavam já com o respeito do público, sem que, no entanto, fosse reivindicado objetivamente pelo movimento um novo status para a mulher. À mesma época, uma voz modernista – isolada do grupo de artistas que proporcionava ao público os shows realizados no Teatro Municipal  – Ercília Nogueira Cobra vituperava, em linguagem radical, contra a hipocrisia religiosa e a estupidez masculina que vitimavam a mulher brasileira, obrigando-a a reprimir sua libido, atentado capaz de comprometer seu equilíbrio mental. O título de seu livro, Virgindade anti higiênica, refere-se à "higiene mental", uma expressão cunhada por uma corrente da psiquiatria no primeiro quarto do século XX.
Campanhas assumidas. Os movimentos feministas prosseguiram com energia ao longo de todo o restante do século XX. A campanha pelo direito de votar fora uma causa legitimamente feminista, respectiva ao status social da mulher, porém o movimento assumiu várias campanhas que diziam respeito à mulher, mas que não tinham objetos legitimamente feministas, por não afetarem apenas – nem principalmente – os interesses femininos.
A campanha pelo direito de abortar, por exemplo, não é legitimamente feminista porque a questão maior é o direito à vida do indivíduo uterino, a começar da questão de a partir de quando no feto existe, de fato, um indivíduo. É o mesmo direito que terá, ou não, um laboratório de inseminação in vitro de descartar embriões não aproveitados.
A campanha contra a mutilação sexual de meninas através da remoção do clítoris, e também a mutilação dos meninos pela circuncisão, práticas adotadas por certas religiões do Oriente, dizem respeito ao sacrifício humano consumado em um certo grau, e deveriam ser tratadas como tal antes de, no caso da mulher, ser uma questão feminista.
Rubem Queiroz Cobra            
Doutor em Geologia e bacharel em Filosofia

05:34

Socialismo e Religião

Socialismo e Liberalismo. Os dois pólos extremos, o socialismo e o seu oposto, o liberalismo, representam, no entendimento comum das pessoas, uma posição em que a iniciativa individual é limitada (socialismo) e outra posição em que a iniciativa individual é o fundamento do progresso social (liberalismo). No socialismo o governante recebeu da sociedade toda a responsabilidade pela sobrevivência e desenvolvimento social, e todos os indivíduos devem disponibilizar os seus bens e participar da montagem de um programa de governo que todos estarão obrigados, mediante força, a respeitar e cumprir depois de aprovado: a iniciativa individual não vai além das propostas programáticas. No liberalismo predomina amplamente a iniciativa individual; ao governante cabe fundamentalmente apenas organizar a justiça e a defesa, inclusive velar pelo direito de propriedade de cada membro da sociedade.

Essa concepção popular espelha bem o que é essencial nas duas doutrinas filosóficas, e nos permite distinguir duas fórmulas de organização político religiosa a elas correspondentes: uma a fórmula totalitária do Estado religioso, como nas monarquias medievais e hoje, em alguns estados islâmicos; e outra, a fórmula do Estado liberal que declara uma crença em Deus, como em algumas democracias ocidentais. As alternativas seriam o Estado religioso, no qual o governo estará incumbido de utilizar a força para aplicação dos preceitos da religião, cabendo aos cidadãos a obediência incondicional, ou o Estado liberal com uma vocação ou ética religiosa simplesmente professada pela maioria dos seus cidadãos, e no qual a iniciativa individual prevalecerá.

Fundamento social cristão. Os partidos e os movimentos cristãos teriam, portanto, esses dois possíveis caminhos para o objetivo de organizar política e economicamente o Estado: um governo totalitário, com uma religião oficial, ou um Estado liberal com o rearmamento moral dos indivíduos segundo os preceitos do cristianismo, dentro de uma sociedade livre e democrática. Esses partidos, ou movimentos, existem, e se não estão claramente definidos como tais, revelam-se nas posições confrontantes, principalmente nos debates sobre a chamada "Teologia da libertação". O primeiro, que seria o chamado Socialismo Cristão, seria a moral cristã imposta por lei. Como o rearmamento moral é trabalhoso e cada vez mais difícil e depende da fé, podemos compreender a inclinação cristã pelo socialismo como solução para os males sociais, não importa o que aconteça com a fé. O segundo, que seria o Movimento Social Cristão o qual, ao contrário do socialismo, baseia-se na ação individual voluntária e cooperativa para alcançar o bem comum segundo os preceitos da fé cristã.

Socialismo Cristão. Esta corrente teve em Campanella sua primeira manifestação conhecida. Note-se que, embora as monarquias fossem cristãs, os preceitos religiosos que interessavam eram apenas os da obediência ao Estado e ao monarca, como representantes da ordem e do poder de Deus, e que a estrita obediência aos dogmas era questão de segurança do Estado. No século XVII o dominicano Thomaso Campanella propôs uma ordem social cristã da qual seria força guardiã e coerciva o poder da monarquia católica da Espanha. Repetiu sua proposta nomeando, em versões posteriores da sua obra, o poderio militar francês e depois a união das forças das monarquias católicas sob a chefia do Papa. A idéia no cerne da sua utopia era a da justiça social.

No começo do século 19, o filósofo francês Henri de Saint-Simon propôs " um cristianismo novo " preocupado primeiramente com as reivindicações dos pobres. Os saint-simonianos acreditavam que a chave do desenvolvimento social seria um espírito da associação, - com a Igreja instituída em Estado como a força dominante -, o qual suplantaria gradualmente o espírito de egoísmo e antagonismo prevalecente na sociedade. Advogavam (entre outras coisas) que o direito de herança fosse abolido de modo que o capital pudesse sair das mãos dos capitalistas ávidos e ser colocado à disposição de todos. Saint-Simon propôs uma ditadura benevolente dos industriais e dos cientistas para eliminar as iniquidades do sistema liberal inteiramente livre. Desejava um Estado industrializado dirigido pela ciência moderna, no qual a sociedade seria organizada para o trabalho produtivo pelos homens mais capazes. Os saint-simonianos imaginaram que isto e outras ações relacionadas terminariam efetivamente com a exploração dos pobres

Falta aos adeptos do Socialismo Cristão, no entanto, uma fórmula de conciliação entre os alvos fundamentais do socialismo, ou seja, a ampla setorialização da autoridade e da ação do governo - com a conseqüente restrição da iniciativa individual -, e as convicções religiosas e éticas do cristianismo as quais, ao contrário, demandam a livre escolha individual do bem. Essa contradição cria a dúvida quanto à legitimidade da expressão "Socialismo Cristão", uma vez que, se a Ética Política do movimento respeita o livre arbítrio, então é liberalismo cristão, e se introduz a coerção, é puro socialismo que nega o princípio da liberdade individual que é fundamental ao cristianismo.

O termo socialismo cristão foi apropriado primeiramente ao redor de 1830 por um grupo de teólogos britânicos incluindo Frederick Denison Maurice, o novelista Charles Kingsley, e outros, que fundaram um movimento que ganhou forma na Inglaterra imediatamente depois do fracasso da agitação Cartista de 1848. A finalidade geral desse movimento era reivindicar para "o reino de Cristo" sua autoridade verdadeira sobre os "domínios da indústria e do comércio", e "para o socialismo seu caráter verdadeiro como a grande revolução cristã do século 19." Quatro anos depois que Karl Marx caracterizara a religião como "ópio do povo", Kingsley (possivelmente desconhecendo a frase de Marx) afirmou que a Bíblia havia sido erradamente usada como "uma dose de ópio para manter bestas de carga pacientes enquanto estavam sendo sobrecarregadas" e como um "mero livro para manter o pobre dentro da ordem" (em Politics for the People, 1848).

Tudo isto faz parecer que os fundadores do Socialismo Cristão nessa época pretendiam, de modo confuso, o uso da força e o banimento da religião. Porém verifica-se, examinando a atitude individual de seus fundadores, que pretendiam o soerguimento da classe pobre, e não uma revolução ou um estado forte que a socorresse em oposição aos ricos. Ao que pretendiam aplicar-se-ia melhor a expressão Movimento Social Cristão, que hoje deseja um governo segundo os preceitos cristãos porém apenas naquele mínimo de responsabilidade que possa ser conferido ao governo na democracia liberal

Movimento Social Cristão. Maurice e Kingsley, embora fossem radicalmente por uma reforma social que diminuísse a pobreza, pensavam que existia um caminho através da fé, e procuravam converter os ricos, e paralelamente convence-los de que essa reforma reverteria em benefício de todos, enquanto promoviam as classes pobres através do melhoramento da instrução e da habilitação profissional.

Outro exemplo de movimento social cristão atual em franco contraste com o socialismo marxista é o movimento criado por Chiara Lubich, destinado a contribuir para uma nova ordem mundial segundo os preceitos cristãos de fraternidade e bens em comum. Uma líder católica-ecumênica e filósofa cristã, em 1960 ela deu uma dimensão político-filosófica e religiosa, ampla e original, à sua proposta, pregando que Deus pede o amor recíproco entre Estados, assim como pede o amor recíproco entre os irmãos, e que era chegado o momento no qual a pátria alheia devia ser amada como a própria.

O forte tom ecumênico do movimento, indispensável à sua ética política de união dos povos, foi uma antecipação ao movimento ecumênico que seria deflagrado na Igreja Católica pelo papa João XXIII. Criou mais tarde o que chamou Economia de Comunhão na Liberdade um setor do Movimento destinado a criar uma rede de indústrias e agentes comerciais preocupados com a união e o compartilhamento, o respeito às leis, salários justos, e mútuo apoio, com capital e tecnologia partilhadas também entre as nações e os continentes.

Rubem Queiroz Cobra           
Doutor em Geologia e bacharel em Filosofia